A proposta é uma investigação profunda do corpo
humano quando submetido a situações limites de estresse, que nos provocam
reações primitivas. Fica evidente a luta pela sobrevivência na seleção natural
do meio e o quanto isso influencia nosso comportamento, equilibrados entre as
condições humana e animal.
Algumas coreografias exigem uma resistência física
quase insuportável às bailarinas. A exaustão delas chega a ser contagiosa,
muitas vezes gerando cansaço também na plateia. Em determinados momentos,
pequenos textos didáticos sobre a fisiologia do corpo humano são falados,
sublinhando (talvez desnecessariamente) o que já é mostrado literalmente à
exaustão em cena.
Certas cenas merecem destaque, como as de DUOS e a
cena de SOLO com a balada Menina Veneno, de
Ritchie, que se constitui em raro momento descontraído que comunica tanto pela
poesia quanto pela critica. Seguindo na linha do humor, em determinado momento
são colocados em cima de um grande tapete preto pequenos porquinhos iluminados,
aludindo ao comportamento de manada da raça humana. Embora efetiva enquanto opinião,
a cena me pareceu fora de contexto enquanto narrativa. Importante salientar que, por uma característica
do teatro do Instituto Ling, nem toda a plateia conseguiu visualizar o que se
passava ao nível do solo, prejudicando a total compreensão desta cena.
A exploração da porta existente no fundo do palco como vitrine/moldura
iluminada foi bastante interessante. Em algumas cenas, a porta era ocupada
pelas bailarinas, criando um contraponto para o que estava ocorrendo na boca de
cena. Estabeleci conexão imediata com as vitrines de Amsterdam, onde se faz a
exposição ostensiva de corpos femininos no mercado de sexo. Uma das muitas
questões da mulher presentes em todo o espetáculo.
Por outro lado, as máscaras de animais poderiam ter sido mais exploradas
e não correspondem à imagem do programa. A iluminação talvez tenha contribuído
com essa sensação, não valorizando as máscaras como nas fotos de divulgação.
O preparo corporal e a qualidade técnica das bailarinas é indiscutível,
mas o resultado final do espetáculo me parece fragmentado demais. Fisiologia do Desespero é uma sucessão
de experimentos soltos ainda faltando um elo de conexão entre eles. Um fio
condutor. As transições lentas de cena reforçam essa ideia, provocando uma
quebra de ritmo ao espetáculo. O maior exemplo disso é a cena final, em que uma
maquete de cidade é colocada no palco e iluminada de baixo pra cima, projetando
sombras na tela de fundo. As silhuetas fazem um link e ao mesmo tempo um
fechamento com a primeira cena, quando também se usa o recurso da projeção,
desta vez com uma sugestão de mata, evidente alusão à selva de pedra em que
habitamos enquanto humanos. Apesar do paralelo que se estabelece, e da clara intenção
de estabelecer início e fim de uma narrativa, não creio que funcione.
A opção de não estabelecer uma linha dramática clara abre espaço para que
o espectador elabore diferentes interpretações do que está em cena, e esta foi
a proposta da direção. As conexões ficam por conta de cada um. A intenção da
encenadora Eva Schul é gerar movimento, inquietação, convocando o espectador
para um diálogo com as questões levantadas em cena. A questão é: Isso
funciona? Algumas vezes, isso além de me cansar, me incomodou um pouco.
É
inevitável pós-espetáculo a sensação de perplexidade e necessidade de um tempo
para que as coisas se (re)acomodem internamente. Fisiologia é um grito desesperado
que reverbera e convida à reflexão.
Ana Paula Bardini