“Uma secretária bilíngue... revela em seu diário onde está a poética em sua rotina massacrante.”
Em cartaz no Instituto Ling, o
espetáculo solo Diário Secreto de uma Secretária Bilíngue faz parte da segunda
edição do projeto Ponto de Teatro. Em cena, Deborah Finocchiaro (Pois é, Vizinha... e Caio do Céu) nos apresenta Marjori, uma cinquentona que dedicou
mais de 30 anos de sua vida a uma rotina que está prestes a se encerrar, contra
a sua vontade. O palco é um espelho – estamos todos ali, de alguma forma
retratados nas páginas de seu diário, na repetição dos dias, nos sonhos não
realizados, nas expectativas tão distantes da realidade. Nós e Marjori, homens
e mulheres que desperdiçamos o bem mais precioso que nos é dado: o tempo.
Vinicius Piedade e Deborah- que dividem
tanto a dramaturgia quanto a codireção da peça baseada em texto original do
paulista- optam por uma encenação tragicômica. Questões do universo feminino
decorrentes da passagem do tempo – como a menopausa e a solidão – são abordadas
de forma engraçada e premente. A excelente caracterização da personagem aliada
à criação do figurino de Rafael Silva, responsável também pelo cenário, facilitam
o mergulho no universo ficcional. Destaque merecido para a pipoqueira vermelha
“vintage”, que rouba a cena ao ser
acionada despertando os sentidos dos apaixonados por pipoca, assim como eu. Frustrando
minha expectativa, o objeto cênico-título – o diário secreto – recebe pouco ou nenhum destaque na narrativa.
A peça propõe importantes
reflexões abordando questões que passam pelas necessidades básicas do ser
humano como segurança, valorização e estabilidade. Despertando na personagem o
desejo de controlar pessoas e situações negando o inegável: a impermanência. A
gravidade desse conflito não me despertou riso, diferente de outros
espectadores. Fiquei me perguntando se isso seria uma questão pessoal ou do
espetáculo? Afinal, comédias permitem reflexões profundas? (Ou seria esse um grande paradigma?)
Acredito que as comédias têm,
sim, a capacidade de lidar com questões fundamentais. Muitas vezes é preciso
rir para não chorar. Mas, neste caso específico, o texto essencialmente dramático
e a encenação assumidamente cômica divergem em essência, precisando (ainda) de um sutil
denominador comum. Permitindo ao espectador acessar camadas mais profundas.
Afinando a métrica, poética se faz.
Afinando a métrica, poética se faz.
Ana Paula Bardini