De
dentro de uma caixa de papelão, aos poucos, revelam-se as pernas sensuais de
uma mulher. O elemento surpresa e a beleza estética da primeira cena do
espetáculo Inimigos na Casa de Bonecas causam um impacto positivo ao
espectador.
Uma cena forte, impactante, que permite conexões, dá espaço ao imaginário...e faz sonhar.
A
montagem Inimigos na Casa de Bonecas
é o resultado da compilação de dois textos do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen
– Uma Casa de Bonecas (1879) e O Inimigo do Povo (1882), incorporada
aos depoimentos colhidos via internet pelo elenco, com base no papel da mulher
na sociedade atual e na violência nos dias de hoje.
A
direção é de Camila Bauer, responsável também pela dramaturgia junto com Marco
Catalão e Pedro Bertoldi. A montagem traça um paralelo entre a obra de Ibsen
escrita no final do século XIX e os dias atuais. O fio condutor é o personagem
de Nora, talvez um dos mais emblemáticos personagens femininos da dramaturgia.
Uma esposa fiel, recatada e do lar.
Mãe de família e submissa, primeiro ao pai, depois ao marido como exigiam as
regras de bom comportamento da época. O casamento, desgastado e longe de ser
uma relação no real sentido da palavra, chega ao limite. A perfeição de uma
casa de bonecas idealizada de “contos de fadas” é então posta em cheque. A vida em sociedade cobra um preço por vezes
alto demais a mulheres iguais a Nora.
Em
paralelo, a história principal é atravessada a todo instante por fragmentos
políticos, depoimentos pessoais, dança e intervenções audiovisuais. O ritmo da narrativa é intenso durante os 90 minutos
do espetáculo, sem espaços entre as cenas. A opção da encenação é ousada, não
chegando a atingir o público através da emoção. É um recorte do dia a dia, quando
somos bombardeados incessantemente pela mídia.
A
proposta de juntar tantos assuntos complexos talvez tenha contribuído para que
a força dramática da narrativa perdesse o foco. A potência do feminino de Nora
– que por si só levantaria tantas bandeiras urgentes e atuais - ficou em
segundo plano, não tendo sido atingida a curva dramática da personagem.
Camila
escolheu para este projeto um elenco “de peso” no cenário teatral gaúcho.
Reunindo atores como Sandra Dani, Liane Venturella, Nelson Diniz, Lauro Ramalho,
Janaina Pelizzon, Álvaro RosaCosta e novas promessas como
Pedro Bertoldi e Fabiane Severo.
Realizado pelo Projeto GOMPA foi o vencedor do premio internacional Ibsen Scholarship 2017, participa do Ponto de Teatro – Instituto Ling e do 13° Festival Palco Giratório SESC Poa.
Carlota Albuquerque assina a direção coreográfica do espetáculo, com destaque para as intervenções da bailarina Fabiane Severo.
O
teatro contemporâneo é atravessamento de idéias, discurso político, posicionamento,
questionamento. Onde o mais importante é a pergunta, não a resposta. Esta é uma obra de recortes, intervenções e a busca pelo equilíbrio.
Em
curtíssima temporada no Instituto Ling, segue em cartaz até o final de maio.
Ana Paula BardiniFotos: Adriana Marchiori