quarta-feira, 19 de setembro de 2018

A Alma Imoral


 
 
 
 
 
Linhas brancas convergentes demarcam o piso.
Nele, uma cadeira Panthon preta, assim como o restante do palco, é o único objeto cênico. A imaginação é imediatamente despertada pela imagem mental que se forma, tudo é signo. A Alma Imoral -há 12 anos em cartaz- atualmente cumprindo temporada simultânea em São Paulo, no Teatro Eva Hertz e no Rio, na Casa de Cultura Laura Alvin, impressiona pela simplicidade e contundência. 



Para quem leu o livro de Nilton Bonder, complexo pela simplicidade, duvida de que,  enquanto dramaturgia,  seja possível encená-lo.  Nele, não existem diálogos, Não existe drama. Como se o grande dilema da própria existência não fosse drama suficiente.E isso foi exatamente o que despertou o interesse da atriz  Clarice Niskier, uma judia/budista, como ela mesma se define.

Antes do inicio do espetáculo, um bate-papo informal aproxima o espectador da história que será contada em seguida.  Somos convidados a adentrar no mais intimo da nossa essência sem julgamentos, nos despindo de verdades absolutas.  Uma vez aceito o convite, inicia-se a viagem. E que viagem!

 


O figurino, assim como o cenário,  é igualmente minimalista: Um pano preto (de tecido fluido e grandes proporções) que se transforma em muitas possibilidades durante o espetáculo. Servindo ora de coberta, ora de manto, saia, vestido, pano, adorno e assim por diante. Clarice conversa com a nossa alma e sua nudez serve como metáfora para explicar grandes  paradigmas e preceitos básicos da religião judaica. O texto traça um paralelo entre o corpo e a alma, afirmando que, enquanto um precisa de tradição para seguir adiante (o corpo) , o outro , ao contrário, precisa trair, romper, para transgredir (a alma). Disso depende a evolução. Por isso a alma está acima do bem e do mal, sendo IMORAL. Sim, isso mesmo: imoral e não imortal, como ela mesma faz questão de ressaltar. Nossos valores e conceitos reforçados ao longo de 2.000 anos, são postos à prova. A riqueza de informações e conhecimento adquiridos durante os  70 minutos de peça é imensurável. Dela, saímos verdadeiramente tocados e (inevitavelmente) com a consciência ampliada.

Durante o espetáculo, a atenção plena e o silêncio na platéia, reverberam internamente em cada um. Gerando um grande eco. Abrindo portas e comportas.

Neste monólogo Clarice nos brinda com uma interpretação incrível e entrega visceral. Um belíssimo exemplo do “estar a serviço”, que constitui a essência primordial do trabalho do ator.

 


Assistir A Alma Imoral é uma experiência única, que merece bis.

 




Ana Paula Bardini

 

 


domingo, 16 de setembro de 2018

ISAURA GARCIA - o musical



 

Onde você estiver não se esqueça de mim, onde você estiver não se esqueça de mim.”

 

O teatro musical biográfico continua nos brindando com grandes sucessos e eternizando nomes da nossa história. Este é mais um belo exemplo disso. Em sua primeira direção, o ator e também produtor do espetáculo Kleber Toledo, em parceria com o neto de Isaurinha, Rick Garcia trazem um presente aos fãs e admiradores de uma das mais importantes personalidades da MPB da época de ouro do rádio no Brasil. Isaura Garcia- O musical em cartaz no Teatro OI Casagrande no Leblon, Rio de Janeiro, é uma grande produção.
 

 
Três grandes atrizes tem a tarefa (e a honra) de representar Isaurinha durante a sua trajetória -  Kiara Sasso (O Fantasma da Ópera, Miss Saigon, A Noviça Rebelde, Mamma Mia), Soraya Ravenle ( A Estrela Dalva, A Ópera do Malandro, Boca de Ouro)  e Rosamaria Murtinho (Dorotéia)- o espetáculo acompanha a sua vida  desprovida de filtros, mostrando igualmente sucessos e fracassos. De personalidade forte, nascida no bairro do Brás em São Paulo, extremamente passional, e ao mesmo tempo frágil , Isaurinha  buscava desesperadamente o amor. Com um histórico de violência desde a infância, tentou suicídio diversas vezes durante sua vida.

Em cena nada é ficção.” Como ela mesma faz questão de afirmar.
 
 

Todas as três atrizes estão muito bem em cena defendendo a personagem nas diferentes fases da vida. Com um toque confessional lindo- representando a fase madura de Isaurinha e  ao mesmo tempo sendo a narradora da história- Rosamaria Murtinho , que já havia representado Isaurinha em 2003 na peça "Isaurinha - samba, jazz & bossa nova", merece destaque especial. Ela rouba a cena ( e o coração) ao interpretar divinamente os grandes sucessos consagrados de Isaurinha.

Com muita nostalgia, somos envolvidos pelos versos conhecidos de Lupicínio Rodrigues eternizados na voz da cantora:

 

"Esses moços, pobres moços
Ah! Se soubessem o que eu sei
Não amavam, não passavam
Aquilo que já passei"

 

                               E lembramos também de Dolores Duran

 

"Hoje eu quero a rosa mais linda que houver
quero a primeira estrela que vier
para enfeitar a noite do meu bem

Hoje eu quero paz de criança dormindo
quero o abandono de flores se abrindo
para enfeitar a noite do meu bem"

O repertório preferido de Isaurinha (como boa pisciana que era) versava sempre sobre o amor idealizado. A grande paixão de sua vida  foi o organista pernambucano Walter Wanderlei, com quem foi casada e teve uma única filha. 

O espetáculo é cenicamente muito bonito, empolgante e surpreende pela projeção dos cenários em três planos que ocupam totalmente o fundo do palco, criando profundidade e perspectiva. Permitindo agilidade na troca de cenas, com objetos pontuais sendo inseridos representando a passagem cronológica do tempoO elenco é formado por 25 atores/cantores/bailarinos e orquestra.
 
 

 

A platéia comovida não disfarça o apreço. Muitos ali participaram de toda a trajetória de Isaurinha, são fãs e admiradores que se sentem enaltecidos. Até mesmo quem não a conheceu- ou não viveu a fase de ouro do rádio (como eu) - se emociona muito. 

É lindo e vale a pena!
Sempre vale... ir ao teatro é um dos grandes prazeres da vida. Vai!

 
"Quem sabe um dia
Por descuido ou poesia
Você goste de ficar"
 
 

Ana Paula Bardini 


 

 

 

sábado, 15 de setembro de 2018

Pippin o musical

 
 

Acredito que o papel da arte seja, entre outras coisas, trazer magia para a nossa vida. E isto é o que a Mestre de Cerimônias anuncia no inicio do espetáculo: “Nós temos mágicas” / "Magic to Do"
(A musica que inspirou a abertura do Fantástico.).

 
 



Em cartaz no Teatro Clara Nunes, no Rio de Janeiro, a remontagem brasileira de Pippin- o Musical com direção de  Charles Moeller & Claudio Botelho (e um elenco de tirar o fôlego) cumpre a promessa e atinge o público de uma forma arrebatadora oferecendo mais de duas horas de magia e encanto.  A dupla, com larga experiência no teatro musical - e sucessos como: Nine- Um musical Feliniano, O que terá acontecido a Baby Jane, A Noviça Rebelde, Hair, Beatles num céu de Diamantes entre outros - aliados à qualidade técnica dos atores e equipe fazem deste espetáculo uma experiência inesquecível.  

 

A história,  que teve sua estréia na  Broadway em 1972,   é contada através da mestre de cerimônias (Totia Meireles )  no  comando de sua trupe de atores/ cantores/bailarinos, onde todos representam um papel, mas somente Pippin (Felipe de Carolis) o vive verdadeiramente. E isso fica bastante evidente não só na diferença entre os figurinos e maquiagem, como na dinâmica de atuação e diálogos no desenvolvimento da trama.

A "jornada do  herói" tem inicio quando, após finalizar seus estudos, o príncipe herdeiro do trono, idealista e cheio de boas intenções, retorna ao reino de seu pai, o Rei Carlos Magno (Jonas Bloch), com o forte propósito de fazer de sua vida algo extraordinário. Ele não sabe muito bem o que é este algo e sai em busca de respostas. Vai à guerra e descobre que ser um herói de guerra não é a resposta à sua busca e então procura sua avó paterna Berthe (Nicette Bruno) exilada da corte por culpa de sua nora e madrasta de Pippin Fastrada (Adriana Garambone) e conta para ela todas as suas ansiedades e a busca de um sentido para sua vida. Em uma atuação que leva às lágrimas qualquer um, a avó lhe dá uma lição de vida e de ânimo....mandando ele aproveitar a juventude. Quando canta para ele  A VIDA é Só Uma /  "No Time at All"
 
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Vai que a vida é só uma.
Vai se bagunçar depois a gente te arruma.

Vai sem pensar, porque não tem talvez. Viver é só uma vez.”

 

Como se não bastasse assistir esta grande atriz esbanjando alegria e sabedoria, do alto de seus 85 anos, cantando e encantando uma plateia ávida, olhar para Felipe  - embevecido e totalmente emocionado sem conter as lágrimas -  fez-me soltar de vez. Chorei pela beleza do efêmero e pelos encontros que o teatro propicia. Foi lindo demais, que momento mágico!  ( e a musica fica na cabeça por dias...).

Ao retornar à corte, Pippin confronta seu pai pelas atitudes autoritárias contra o povo e, supondo que faria tudo melhor, o mata. Assume então o reino e após por em prática suas ideias percebe que foi um erro e se arrepende imensamente do que fez. Como num passe de mágica, ao se arrepender, o Rei volta e reassume seu lugar fazendo com que  Pippin se sinta mais uma vez sozinho e abandonado. Após uma noite de orgia, Pippin é encontrado à margem da estrada por Catharina (Christiana Pompeo) próximo à sua fazenda, ela é  viúva e mãe de Theo (Luiz Felipe Mello) que decide cuidar dele até ele se recuperar. E ele acaba ficando, porém totalmente apático...

Envolvido pelo dia a dia e rotina da vida simples da fazenda. Ao se dar conta, um ano se passou, e quando percebe que se apaixonou por Catharina decide ir embora, pois isso é muito distante do fato extraordinário que busca para sua vida.

Desde o inicio do espetáculo, a Mestre de Cerimônias promete a todos um Grand Finale. A expectativa é grande e tudo vai se direcionando para isso, no entanto o que acontece é imprevisível quando Pippin se nega a representar seu papel. Instantaneamente a brincadeira acaba. Ela ordena que as luzes se acendam, o espetáculo termina e a trupe recolhe suas coisas deixando o palco. Nele ficam apenas Catharina, Pippin e o pequeno Theo – sem magia, nem figurinos - (só amor). O Grand Finale enfim acontece, de uma forma diferente do previsto e muito mais lindo com certeza.

 


O cenário e figurinos são de encher os olhos. Tudo muito alegre, lúdico e com fortes referências de circo e commedia dell'arte. As musicas são executadas por uma orquestra afinada e extremamente profissional dando conta das 14 canções do espetáculo, executadas com precisão.

O elenco é composto por 17 atores onde todos desempenham brilhantemente seus papéis corroborando com a história.
Com destaque especial para Guilherme Logullo e seu hilário Lewis - meio irmão de Pippin , o apaixonante ator mirim Luiz Felipe Mello dando vida e carisma ao Theo, Christiana Pompeu e a comicidade segura de sua personagem Catharina (além da voz espetacular), Nicette Bruno pela presença cênica  e lição de vida ,  Felipe de Carolis  (um espetáculo à parte) vem deixando a sua marca por onde passa nos diferentes gêneros,  talentosíssimo (me encantou desde o primeiro instante, virei fã) - e Totia Meireles, uma atriz com muita experiência em musicais,  totalmente à vontade e voando em cena. Me arrisco a dizer, no papel de sua vida como Mestre de Cerimônias! Ela arrebenta e arrebata a platéia, merecendo todos os elogios.  
 
Chama a atenção o preparo  e disponibilidade corporal de  todo o elenco resultando em coreografias  espetaculares.


Uma montagem requintada pela qualidade  e cuidado nos  detalhes, Pippin- O Musical inspira sonho e esperança. Ao meu ver, já é um dos grandes sucessos da temporada cultural de 2018!
Mais uma história a nos lembrar que, (geralmente) , fazer a diferença ou alcançar o extraordinário é mais simples do que pensamos.
 
Extraordinary like me”

 
Saí da segunda sessão com a certeza de que a vida é realmente mágica quando a gente faz o que ama.
 


 
 


 

 

Vai sem pensar!!!

#EVOÉ

Ana Paula Bardini


(fotos divulgação)

 

Isso que é amor – O musical

  Ontem fui assistir Isso que é Amor – um musical com as canções de Luan Santana . Foi uma surpresa boa... É simples e ati...