Em cartaz no teatro do Instituto
Ling o solo do performer Ismael
Caneppele, livre adaptação da obra de Albert Camus “O Estrangeiro”, retrata
uma COMUNIDADE incomum e
perigosamente real.
Em cena um homem – sentado - no
lado esquerdo do palco. Microfones, câmeras estrategicamente posicionadas,
projeções, um computador e um sintetizador de som. Tudo comandado por ele
mesmo. Em uma narrativa linear, o personagem nos conta sua história desde o
momento em que recebeu o telefonema comunicando a morte de sua mãe. Sua
reação, robotizada e desprovida de emoção, nos dá uma pista de seu perfil
psicológico. A partir da notícia ele segue no automático. Repassa ao público
suas ações e reações como se estivesse conversando consigo mesmo, num fluxo incessante
de pensamento. Compartilhando a escuridão de uma mente confusa, como um
bote salva-vidas à deriva, ele se utiliza da lógica para seguir. Um ser que
sobrevive os seus dias cumprindo protocolos, enredado em uma rotina suicida que
o sobrecarrega e ao mesmo tempo o mantém vivo. Sobrevivendo em um mundo
estranho, embarca em um trem rumo à cidade onde sua mãe havia sido “depositada”
de comum acordo em um asilo. Ao chegar, recusa-se a ver o caixão aberto,
sequer se despede de sua mãe. Percebemos aí a tônica da relação: a ausência do
afeto mãe/filho e a total falta de vinculo. A inexistência do amor primordial,
responsável pela base do ser humano e a forma de relacionar-se com o mundo.
Durante os primeiros 30 minutos de peça, ele não se mexe. Apenas sua voz
é ouvida de maneira monocórdica, reforçando a falta de sentimentos, empatia,
emoção e vida. Muitas vezes, a plateia se sente incomodada por essa Não-Presença-Cênica
do ator. É quase como se ele não estivesse lá. Apenas sua voz. Chata.
Repetitiva. E,mesmo assim, ela prende. Ela nos faz procurar, quase implorar,
por um resquício de humanidade. Ansiar pelo momento em que a redoma protetora
será finalmente rompida e as emoções virão à tona. O distanciamento nos
perturba. Nos incomoda. Perceber a desconexão nos faz pensar em que momento nos
perdemos de nós.
Caneppele - que também
assina texto e direção – provoca o
espectador em um espetáculo denso, sombrio, abordando questões sobre
pertencimento, sentido e significado, identidade e empatia.
Trazendo à tona algo obscuro, submerso no
inconsciente: o instante em que a complexidade existencial do “ser humano” atinge seu nível máximo, resta apenas
o “ser”.
Atrelado à necessidade de resistir emerge um estrangeiro invulnerável - (ou quase).
Atrelado à necessidade de resistir emerge um estrangeiro invulnerável - (ou quase).
Ana Paula Bardini