quarta-feira, 22 de maio de 2019

HOMEM DE LUGAR NENHUM


 

“O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos.  Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais.”

Bertolt Brecht


 
 
Não por acaso, o Analfabeto Político, de Brecht, foi escolhido para a abertura do  espetáculo Homem de Lugar Nenhum, em cartaz no Instituto Ling, a convite do Ponto de Teatro, integrando também o 14° Festival Palco Giratório. A peça é assumidamente um ato político e tem como mote principal o questionamento sobre a possibilidade (ou não) do encontro entre amor e política.

Afinal, será que estas duas vertentes - aparentemente tão distoantes entre si -conseguem coexistir em harmonia?

Fazer o espectador pensar sobre esta e outras questões é a aposta da direção de Eduardo Kraemer. Foi dele também a responsabilidade de  “costurar” , em uma narrativa não-linear, os textos propostos pelos atores Zé Adão Barbosa e Renato Del Campão. Além de contundentes, os textos são essencialmente densos e provocativos.

Na encenação de Kraemer, o espaço cênico do Ling é ocupado em profusão, tanto pelos objetos quanto pelos atores e projeções, exigindo atenção plena durante os 50 minutos de duração do espetáculo.  Muitas vezes, algumas cenas são sobrepostas por outras, num claro recorte do cotidiano atual: fragmentado e cheio de informações. O excesso de estimulo, no entanto, não compromete a compreensão, pois nos remete ao que somos submetidos diariamente. Esse constante bombardeamento de informações gera a necessidade de saber de tudo e, mais do que saber, nos manifestar a respeito. É cansativa a exigência continua de posicionamento- seja ele político ou não. Sim/Não. Gostei/Não gostei.  

As situações conflituosas - por vezes sem solução- se sucedem e a sensação de “soco no estomago” acompanha o espectador durante todo o espetáculo.

A vida imita a arte, ou será ao contrário?
Fazendo analogia ao nosso dia a dia, me levou a pensar que a violência (em todas as suas formas) ao mesmo tempo que impele, repele. Na contramão da polarização, a possibilidade de encontro entre amor e política talvez passe pela sensibilidade.  

Seja no amor, seja na política, a única possibilidade é o respeito às diferenças.

Assim como o texto de abertura, o encerramento foi igualmente impactante. A entrega – premissa básica do amor - está presente pela primeira vez em cena, e isso comove. Conecta. Comunica. Fazendo um link, e também um contraponto, entre política e amor.
 
A plasticidade cênica é de uma beleza e simplicidade comoventes. Em um trecho de “Esperando Godot” de Samuel Beckett, os personagens de Zé Adão e Campão encaram o futuro – com incertezas e esperanças, sonhos e promessas- e resistem, sobretudo à vontade de desistir. 

 
O teatro, como ferramenta, além de dar voz ao ator, permite que se faça uma catarse.

Proporciona ao público a possibilidade de se reconhecer em cena. Talvez por isso, Homem de Lugar Nenhum, e sua “realidade real”- que ultrapassa a realidade humana- nos choque tanto.

Pois em alguns momentos, a realidade encenada é ainda mais dura do que a realidade concreta.

Ana Paula Bardini

 FOTOS: LUCIÃ LOPES E GUSTAVO RAZZERA

 




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