A primeira sensação, logo que entramos no teatro do Instituto Ling para assistirmos a “Espalhem minhas Cinzas na EuroDisney”, é de estarmos em um espaço-tempo diferente daquele em que estávamos. Parece que fomos teletransportados para outro lugar, envolvidos por uma atmosfera futurista e estéril. A presença de dois atores na primeira cena, ainda durante a entrada do público, faz um convite ao silêncio e estabelece a transição necessária `a ambientação deste não lugar.
Então entra em cena o texto do argentino Rodrigo García. São 26 monólogos que compõem uma dramaturgia densa e questionadora, uma critica escancarada ao consumismo que aponta para um futuro distópico. Alguns destes textos não passam de frases projetadas nas paredes do palco, mas são impactantes, incomodam, desacomodam. A cada instante, somos confrontados com a normose em que vivemos no dia a dia para mantermos o status quo. Sem percebermos, seguimos repetindo padrões, sem saber se a nossa escolha é mesmo nossa, pois não nos enxergamos fora da caixa. 
A diretora Adriane Mottola merece elogios ao trabalhar sobre um texto bastante amplo e sem rubricas. A complexidade do texto de García, entretanto, distribuído em monólogos independentes que se encadeiam de forma aparentemente aleatória, é tão grande que em alguns momentos ela se sobrepõe à encenação, dificultando sua total compreensão. O resultado final, porém, não é comprometido. 
O figurino assinado por Duda Cardoso dialoga com o cenário, em tons de branco e cinza claro, aliados à transparência de um mundo sem contrastes nem diferenciação, reforçando a idéia de robotização e de frieza emocional. A proposta do cenário é relativamente simples, mas de muito efeito. Aliada ao desenho de luz em uma paleta de cores frias em tons de azul, a piscina de 3 mil sacolas plásticas que ocupa o palco ganha diferentes significados ao longo dos 50 minutos de peça, alternando-se na função de cenário e na condição de personagem. A escolha do elemento plástico reforça a crítica quanto ao desrespeito do ser humano com o seu habitat e a falta de conscientização que temos em relação aos outros. O lixo que geramos é o lixo que teremos.
Uma cena ficou durante muito tempo em minha retina graças à presença cênica, à entrega e à plasticidade dos atores Áquila Mattos e Geórgia Reck. Seus personagens entrechocam-se nus durante um tempo que parecia não ter fim.
Na cena final, a frieza e o destanciamento dos personagens são finalmente rompidos, surgindo uma brecha onde os personagens abrem espaço para os atores e, com eles, brindam à vida. Depois, os cinco atores se posicionam estrategicamente no palco, em total silêncio, e fecham os olhos em um claro mergulho de conexão com a própria essência num tempo infinito de contemplação. A plateia silencia com eles e comunga deste vazio, bem-vindo e necessário. É uma cena muda que grita!
Um espetáculo é sempre único, mas precisa de tempo para encontrar seu ritmo e amadurecer, assim como nós. Algumas transições de cenas e troca de personagens ainda precisam encontrar o tom certo, mas o vigor da criação coletiva, a atenção aos mínimos detalhes e a capacidade de capturar a atenção do público e gerar reflexão, mesmo quando o texto é uma comédia, traços característicos dos 30 anos de Cia Stravaganza, estão em cena.
A sensação que prevalece ao final do espetáculo e de perplexidade, e de uma quase necessidade de ver de novo. Assistam!    
Ana Paula Bardini


 
 
 
 
 
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