quarta-feira, 28 de novembro de 2018

COMUNIDADE




Em cartaz no teatro do Instituto Ling o solo do performer Ismael Caneppele, livre adaptação da obra de Albert Camus “O Estrangeiro”, retrata uma COMUNIDADE incomum e perigosamente real.



Em cena um homem – sentado - no lado esquerdo do palco. Microfones, câmeras estrategicamente posicionadas, projeções, um computador e um sintetizador de som. Tudo comandado por ele mesmo. Em uma narrativa linear, o personagem nos conta sua história desde o momento em que recebeu o telefonema comunicando a  morte de sua mãe. Sua reação, robotizada e desprovida de emoção, nos dá uma pista de seu perfil psicológico. A partir da notícia ele segue no automático. Repassa ao público suas ações e reações como se estivesse conversando consigo mesmo, num fluxo incessante de pensamento.  Compartilhando a escuridão de uma mente confusa, como um bote salva-vidas à deriva, ele se utiliza da lógica para seguir. Um ser que sobrevive os seus dias cumprindo protocolos, enredado em uma rotina suicida que o sobrecarrega e ao mesmo tempo o mantém vivo. Sobrevivendo em um mundo estranho, embarca em um trem rumo à cidade onde sua mãe havia sido “depositada” de comum acordo em um asilo. Ao chegar, recusa-se a ver o caixão aberto, sequer se despede de sua mãe. Percebemos aí a tônica da relação: a ausência do afeto mãe/filho e a total falta de vinculo. A inexistência do amor primordial, responsável pela base do ser humano e a forma de relacionar-se com o mundo. Durante os  primeiros 30 minutos de peça, ele não se mexe. Apenas sua voz é ouvida de maneira monocórdica, reforçando a falta de sentimentos, empatia, emoção e vida. Muitas vezes, a plateia se sente incomodada por essa Não-Presença-Cênica do ator. É quase como se ele não estivesse lá. Apenas sua voz. Chata. Repetitiva. E,mesmo assim, ela prende. Ela nos faz procurar, quase implorar, por um resquício de humanidade. Ansiar pelo momento em que a redoma protetora será finalmente rompida e as emoções virão à tona. O distanciamento nos perturba. Nos incomoda. Perceber a desconexão nos faz pensar em que momento nos perdemos de nós.


Caneppele - que também assina texto e direção –  provoca o espectador em um espetáculo denso, sombrio, abordando  questões sobre pertencimento, sentido e significado, identidade e empatia.
 
Trazendo à tona algo obscuro, submerso no inconsciente: o instante em que a complexidade existencial do “ser humano atinge seu nível máximo, resta apenas o “ser.
Atrelado à necessidade de resistir emerge um estrangeiro invulnerável - (ou quase).

 

Ana Paula Bardini

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